Turma da Mônica: Laços já chama atenção nessa primeira olhada inconsciente: é um desbunde de cores. A segunda olhada, mais consciente, também é de deslumbrar. E, no caso, desenho e cor são obra dos mesmos autores. Não dá pra contestar que as páginas de Vitor Cafaggi e Lu Cafaggi são absurdamente lindas.
Passando à segunda, terceira e demais olhadas, você começa a perceber outras qualidades. Os irmãos Cafaggi - que também assinam o roteiro - afinaram traço, cor, expressão e narrativa numa série de produções independentes. Vitor fez mais, como as conhecidas tiras de Puny Parker, Valente e o pequeno álbum Duotone. Lu só tem no currículo a minúscula Mixtape e algumas colaborações em antologias e na Internet. Felizmente, foi o bastante para os dois desenvolverem técnica e sensibilidade para chegar a Laços.
Como prega a divulgação, a inspiração dos Cafaggi para a graphic novel veio de filmes infanto-juvenis dos anos 80, como Conta Comigo e Goonies. (Nos extras ao final do álbum, há inclusive a sugestão de que ele poderia ter se chamado "Meninos Perdidos", talvez por referência ao também oitentista Garotos Perdidos.) A trama: Floquinho, o cachorro do Cebolinha, está perdido. A Turma da Mônica resolve se unir para encontrá-lo, numa aventura que envolve brigas com uma turma rival, uma noite acampados no parque e vários sustos.
Assim como nos bons filmes, o roteiro segue uma fórmula mínima, consistente, com poucos rodeios e sem gorduras. Em alguns momentos há a impressão de que os autores seguiram um manual de Jornada do Herói. Por exemplo quando encontram um sem-teto no parque que parece apenas cumprir papel de "guardião do portal" ou algo similar - e nem volta na trama.
Seguir uma fórmula de roteiro não é demérito. Ajuda a dar estrutura e consistência à história, que se desenrola de forma extremamente suave. A Pixar também é exemplar em usar fórmulas prontas nos seus roteiros: um esqueleto pronto sobre o qual os animadores - ou, no caso, os quadrinistas - podem aplicar sua própria expressão, sem que se perca o fio da meada.
E isso os Cafaggi fazem muito bem. Servindo-se aqui e ali de referência a histórias clássicas da Turma da Mônica, eles não têm receio de mexer com as "origens" de Cebolinha, Mônica, Cascão e Magali - mesmo que as personalidades permaneçam as que você já conhece. Por outro lado, eles acrescentam ideias inéditas à criação de Maurício de Sousa. Eu, pelo menos, nunca tinha visto aquela estratégia infalível contra a Mônica.
Voltando à comparação com a Pixar, talvez essa possa ser uma definição do álbum. Assim como o estúdio de animação criou marca com um processo artesanal em cima de uma Disney criativamente falida, os Cafaggi conseguiram uma "versão Pixar" da Turma da Mônica: emocionalmente sincera, coalhada de boas referências e visualmente fascinante.
O álbum só peca na impressão. Quem comparar imagens digitais de divulgação vai notar que tantos as páginas de Lu quanto de Vitor têm uma textura própria, que deixa explícito o material de desenho, e que a gráfica não conseguiu reproduzir. Quanto mais escura a cena, mais parece que as imagens perderam resolução, ou que o ponto de impressão é muito grande para a qualidade de desenho. Não é culpa dos autores, mas é um cuidado que poderia buscar-se para eventuais próximas tiragens.
Independente disso, a vontade que dá ao terminar o álbum é voltar e ver só as imagens, para prestar atenção em cada detalhe que os autores deixaram. (E torcer para que saiam pôsteres da página 1 ou da página 56.) Com todo o respeito a Maurício de Sousa e às décadas de autores que escreveram e desenharam por ele, a Turma da Mônica nunca esteve tão bonita.
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